No ano de 2009 conheci a favela. Um menino pobre de apenas quinze anos de idade, que não tinha envolvimento com o tráfico de drogas, havia sido morto com um tiro na testa desferido por um policial do BOPE numa operação na favela Mandela, na Zona Norte do Rio.
Decidi, naquele dia, fazer um protesto dentro da comunidade pobre, numa região que, devido ao histórico de violência, chamava-se Faixa de Gaza. Terror dos policiais cariocas. Conseguimos levar toda a imprensa para lá, procurando dar voz ao pobre e combater o abuso de poder. Não tardou que, após chegarmos ao local, viesse a notícia de que estávamos autorizados a entrar na favela. Naquele dia passei pela minha segunda conversão.
Ao colocar os pés naquela aberração social, infestada de esgoto e ratazana, repleta de crianças vivendo em estado de miséria aviltante, sem mencionar aquilo sobre o que só poderei falar daqui a 20 anos, minha teologia convulsionou.
Lá estava eu, pastor de uma igreja presbiteriana, plantada por mim na década de 90, num bairro de classe média alta do Rio de Janeiro, herdeiro consciente de uma tradição teológica do cristianismo chamada calvinismo, à qual abraçara apaixonadamente na minha juventude, num mundo novo e perturbador.
Cumpriu-se a profecia. A cabeça pensa a partir de onde pisamos. Perguntas emergiram à minha mente.
Milhões não ouvem cristãos adúlteros, mentirosos, mercenários. Sabemos disso! Mas, o que falar daqueles que se escandalizam com a omissão da igreja face a tamanha desgraça social? Nunca mais saí da favela. Meu calvinismo, aquele que procura obediência a Cristo, me fez permanecer ali, assumindo todas as consequências da minha decisão.
Ganhei outra Bíblia. Nela, vejo pobre por toda parte. Percebi um novo princípio ético, o amor que antecede a evangelização e a luta pela justiça social. Aprofundei meu conceito de missão. Hoje, entendo que a missão da igreja é amar. Amar com amor simétrico, harmonioso, lindo e santo, no qual todas as virtudes atuem em conjunto.
Procurando compreender a realidade da favela à luz do evangelho, ficou claro para mim que leitura de viés ideológico de esquerda ou de direita não dá conta daquela realidade.
Passei a ver as influências do marxismo e do liberalismo econômico dentro da igreja como profundamente deletérias da missão cristã no mundo, uma vez que produzem romantismo e desumanidade. A Bíblia ensina que o homem pode ser tanto responsável pela sua miséria quanto vítima de um modelo político-econômico de opressão.
Em suma, o Brasil deveria levar todos os cristãos a formularem e responderem a seguinte pergunta: o que significa ser cristão num país de miséria e desigualdade social? Na Alemanha de Hitler, a pergunta era outra: o que significa ser cristão no Estado nazista? Nos Estados Unidos de Martin Luther King, o dilema tinha característica bem distinta: como viver num país no qual crianças negras não podem beber água em bebedouro reservado para crianças brancas? O que o Espírito Santo está perguntando hoje aos cristãos brasileiros?
Amigo, quer encontrar a Deus? Encontre-o no pobre.